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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Aprimoramento: ‘O Sindicalismo na América Latina – Crise e Futuro’ (Francisco Zapata). Estudos sobre Sindicalismo. Clovis Renato Costa Farias

Estudos sobre Sindicalismo 
Clovis Renato Costa Farias
Esquema 1


Texto: ‘O Sindicalismo na América Latina – Crise e Futuro’. Francisco Zapata[i]. In: Caderno CRH, n. 14, p. 97-107, jan/jul, 1991. Tradução: Martha Maria Ramos dos Santos; revisão Nadya Araújo de Castro.
I. Constatações sobre a crise do Sindicalismo Lationoamericano
a) A crise não se restringe à organização sindical;
b) As incertezas vivenciadas são parte da crise mais geral por que passa o continente;
c) A crise mais geral ora instalada se exprime nos domínios da dinâmica econômica e da estrutura política. (p. 102)

II. Obstáculos[ii] diversos que podem bloquear ou dificultar a resolução desses desafios. Bloqueios[iii] para a construção de um novo marco institucional no âmbito das relações de trabalho.
1)          Central: reside na abertura das economias latinoamericanas ao mercado internacional. Abertura que coloca os países num contexto que transcende as fronteiras nacionais, obrigando-os a adequar permanentemente as suas condições internas de produção e distribuição à evolução dessas mesmas condições no âmbito internacional. A saúde e o bem-estar dos trabalhadores já não se constituem em fins últimos, devendo ser reguladas em função dos requisitos de competitividade com que se defronta cada estrutura econômica. Condições que tornam difícil a constituição de um marco institucional estável que regule equitativamente os processos de reprodução da força de trabalho. Novo modelo de desenvolvimento que tende a operar ao arrepio de todo marco institucional (essa é, ao menos, a ambição do setor empresarial e da tecnocracia governamental). Separam-se economia e sistema político. A relação capital-trabalho tende a circunscrever-se ao espaço da empresa, onde se confrontam operários e empresários. O Estado desaparece, abdicando de seu papel de protetor dos interesses dos trabalhadores, que o caracterizara na fase institucional.

1.1)     Problemas: custo da mão-deobra, níveis de proteção social, previdência.
1.2)     A saúde e o bem-estar dos trabalhadores já não se constituem em fins últimos, devendo ser reguladas em função dos requisitos de competitividade com que se defronta cada estrutura econômica.

2)          Profunda modificação que experimenta a estrutura ocupacional. Uma forte redistribuição da mão-de-obra entre setores econômicos desloca os trabalhadores da velha industrialização substitutiva e absorve novos operários desqualificados, que participam em tarefas pouco complexas ligadas às atividades exportadoras. Dessa forma, desaparece a base social do sindicalismo da fase institucional, debilitando-se aquela que fôra a sua área central do recrutamento de afiliados; mesmo aqueles que permenecem organizados vêem-se, agora, ameaçados pela concorrência interposta por desempregados e trabalhadores desqualificados. Isso os fragiliza nas negociações, submetendo-os a pressões que põem em risco a sua identidade de classe: o caso mais dramático foi a desativação das minas de estanho na Bolívia.

3)          A privatização das empresas estatais: constituiu-se em outro importante obstáculo à construção de um novo marco institucional de regulação das relações de trabalho. Ela pôs em cheque uma das vanguardas da ação sindical latinoamericana localizada no sindicalismo do setor público, cujo papel fôra decisivo na organização da vida sindical em geral. Tanto pelo caráter estratégico de muitas dessas empresas (siderurgia, petroquímica, ferrovias, telefones, etc), como pela força dos seus sindicatos, o impacto da privatização redundou na elimina nação da centralidade destas organizações, precarizando-se, nelas também, as condições de trabalho (notadamente mediante a flexibilização do mercado interno de trabalho e a instabilidade do emprego). Constituiu-se, assim, no golpe de misericórdia sofrido pelo marco institucional de regulação das relações de trabalho, haja visto que nessas empresas se definiam as condições do controle estatal sobre a ação sindical. A política de privatização parece objetivar menos a busca da eficiência econômica, do aperfeiçoamento organizacional ou da modernização burocrática e mais o rompimento definitivo das bases de sustentação do movimento operário, concebido como representante dos trabalhadores na esfera política. Desse modo, os neo-liberais não seriam inimigos do sindicalismo, concebido como representante dos trabalhadores na esfera econômica da distribuição do produto do trabalho, mas, sim, inimigos do movimento operário, cuja presença se constituía numa ameaça permanente de retorno à fase institucional, em que predominaram as formas populistas de incorporação do povo à nação. Os neo-liberais, rompendo com o populismo, buscaram a implementação de um projeto de renovação das relações e de trabalho, circunscrevendo-as ao âmbito da empresa e impedindo a intervenção dos trabalhadores na discussão dos equilíbrios políticos de forças.

4)          Separação[iv] as duas dimensões da consciência operária a dimensão de classe e a dimensão da cidadania: Separação, ora em curso, entre o que poderíamos considerar como as duas dimensões da consciência operária a dimensão de classe e a dimensão da cidadania. O processo de separação destas dimensões agudizou-se com a implementação de regimes redemocratizados ocorrida em países que estiveram submetidos à dominação militar, como a Argentina, o Brasil e o Uruguai. Este processo se manifesta, também, em um país como México; ali, embora não se esteja em face à necessidade de redemocratizar uma estrutura socio-política, recém-saída de um regime militar, é possível vislumbrar processos de transformação na esfera eleitoral – consequentes à erosão da hegemonia do partido governante - que podem vir a modificar a forma de operação do sistema institucional.
O fenômeno de cisão da consciência operária se apresenta como um processo de desconexão entre a integração à nação e a integração à sociedade: separa-se, por assim dizer, o exercício da cidadania (que tem um caráter eminentemente individual) do exercício da solidariedade (que ocorre através da consciência de classe, essencialmente coletiva). Esta ruptura busca estabelecer, na consciência operária a primazia da nação sobre a classe; promover e defender a solidariedade de classe converteria seus partidários em inimigos da unidade nacional. Concepção que se elabora nos países do Cone Sul, aparece também no discurso modernizador da nova elite governante mexicana, recupera os elementos mais destacados do nacionalismo revolucionário, filiação ideológica do discurso político latino-americano, estreitamente ligada a uma compreensão da realidade social como desprovida de conflitos de classe e identificada a uma visão "fraternal'' da sociedade ("somos todos irmãos").
* Atualmente, a busca por separar estas duas dimensões da consciência operária revela um fracionamento ao interior da classe dominante entre populistas e neo-liberais. Mais ainda, indica a intenção de elaborar um modelo de acumulação que não deva nada a seus autores - os trabalhadores - deixados à mercê dos patrões.

III.  Algumas questões[v] desafiadoras[vi] sobre o futuro do Sindicalismo.
1) Como representar os trabalhadores surgidos com o novo modelo de desenvolvimento?
2) O que propor aos que foram abruptamente incorporados a setores que devem competir no mercado internacional?
3) Como elaborar um discurso ideológico que seja capaz de articular demandas tão díspares e que simultaneamente incorpore uma visão de futuro?

IV. Objetivos do Sindicalismo na atualidade
a)                Numa nova articulação entre o modelo entre o modelo de desenvolvimento e o marco institucional[vii], posto que a atual relegou o movimento sindical à interdição (p. 102).
b)               Encontrar respostas para as questões:
b.1) Como representar os novos contingentes de assalariados gerados pela relocalização e internacionalização do capital?
b.2) Como resolver os problemas dos trabalhadores num momento de exclusão política (desemprego, distanciamento dos partidos políticos)?
b.3) Como relaciona-se com atores políticos que já não buscam o apoio dos trabalhadores?
b.4) Como reestabelecer o princípio de identidade, constitutivo da classe operária e dar sentido ao princípio de oposição, que permite o estabelecimento de uma dinâmica de conflito?


V. Alternativas[viii]
1) Encontrar novos tipos de organização sindical: menos ligados a setores econômicos e mais referidos aos espaços territoriais[ix] onde se situam[x] os trabalhadores. A contratação coletiva mudaria de sentido, pois já não se trataria de negociar a nível da empresa ou do ramo econômico, mas por áreas geográficas, independentemente das atividades econômicas nelas existentes. Vantagens:

a) Fazer frente aos riscos da atomização, resultante do sindicalismo de empresa, e da estratificação, a que dá lugar o sindicalismo por ramos de atividades.

b) Facilitaria a organização daqueles trabalhadores privados até aqui da possibilidade de reivindicar coletivamente suas condições de trabalho; tal é o caso de atividades como a agricultura comercial, as "maquiladoras" mexicanas, o emprego administrativo ou as empreiteiras de mão-de-obra.

c) Todo o chamado mercado de trabalho "informal" - que não possui nem oferece empregos estáveis, condições de trabalho dignas ou "carreiras profissionais - teria através deste mecanismo de organização, a possibilidade de reivindicar coletivamente.
d) Poderia defender-se tanto da indiferença estatal como do arbítrio patronal.

* Os efeitos institucionais poderiam ser atenuados através de mudanças legais relativamente simples, cujo foco seria a identificação dos sindicatos com unidades territoriais (como municípios, comunas ou qualquer outra definição que pudesse servir de critério aglutinador).

2) Reconquista do espaço do movimento sindical no sistema político: resignar-se à marginalização ou à exclusão da estrutura de poder é, indubitavelmente, apostar na inviabilidade futura. A reinserção no sistema político pode amparar-se na necessidade sentida por certos partidos políticos de consolidar a sua base social: os trabalhadores poderiam vir a ser essa base, tal como o foram no período constitutivo dos partidos de esquerda, no início do século. Todavia, o conteúdo ideológico que caracterizou o seu surgimento deveria talvez ser transformado de modo a incorporar símbolos dotados de significação ampla, válidos para os diferentes estratos da classe e não apenas para os trabalhadores industriais.

3) Uso de novas modalidades de ação, baseadas em métodos modernos de difusão: viabilizar a busca de mensagens específicas para categorias sociais recém-incorporadas ao trabalho, como as mulheres e os jovens. Por que não tomar em conta experiências como o modelo boliviano das emissoras de rádio dos trabalhadores nas minas, ou os canais de televisão existentes em alguns países. E porque não retomarmos a experiência da imprensa operária, que tanto vigor teve na organização da classe operária no início do século.  



[i] Professor e pesquisador do Doutorado em Ciências Sociais do Centro de Estudios Sociológicos, El Colegio del Mexico.
[ii] ZAPATA, Francisco. O Sindicalismo na América Latina – Crise e Futuro. p. 103-104.
[iii] Estes quatro obstáculos - a integração ao mercado internacional, a modificação da estrutura ocupacional, a privatização das empresas estatais e a busca da separação dos elementos constitutivos da consciência operária - obrigam os partidários do fortalecimento da solidariedade de classe a renovar e clarear seus propósitos. Trata-se de recuperar a herança do período constitutivo do movimento operário latino-americano e de reabilitar instrumentos analíticos, necessários à identificação dos problemas e horizontes do sindicalismo, como é o caso dos estudos sobre as classes sociais e seu conflito. Isto porque, o futuro do sindicalismo depende, em grande medida, das respostas que se venha a dar a estes desafios; e isto não é mera questão de afirmação ideológica. Os fatos recentes relativos ao movimento Solidariedade, na Polônia, ou as proposições do Partido dos Trabalhadores, no Brasil, expressos nas ações dos seus respectivos líderes, Lech Walensa e Luis Ignácio "Lula" da Silva, constituem avanços consideráveis nesta direção; eles põem em cheque os presságios sobre a "morte do movimento operário e do sindicalismo" formulados no começo dos anos oitenta. Os exemplos da Polônia e do Brasil testemunham que aos próprios trabalhadores deve caber a tarefa de idealizar as respostas às mudanças históricas, prescindindo dos laços de dependência com respeito a partidos e organizações burguesas. (p. 105).
[iv] A formulação do movimento operário latinoamericano à época de sua constituição (e que serviu de sustentáculo para o projeto industrializador dos anos trinta e quarenta) afiançava a possibilidade de se conciliar a condição de cidadão e a de operário, livre de incompatibilidades.
[v] As repostas a estas interrogações são fundamentais na negociação de um novo marco institucional, favorável aos trabalhadores. Obtê-lo, entretanto, parece muito problemático nas atuais circunstâncias
na América Latina.
[vi] Questões que estarão na ordem do dia e constituirão a fonte das estratégias necessárias a dar sentido à ação sindical nas condições atuais do desenvolvimento capitalista.
[vii] Marco de regulação do mundo do trabalho (iniciado antes da Crise de 1929): sustentou a articulação do projeto de industrialização por substituição de importações. Marca preponderante na Fase Institucional do Sindicalismo na América Latina (1ªs décadas do Séc. XX). O arsenal jurídico permitiu, na Fase Institucional, enquadrar as expressões dos operários industriais e demais trabalhadores que se organizaram na fase antecedente (Heroica). Os direitos e obrigações do sindicalismo estiveram estritamente regulados pela legislação do trabalho (alto grau de controle exercido sobre os conflitos trabalhistas). p. 100.
[viii] Apenas através de uma intensa busca de alternativas será possível encontrar a forma de fazer frente ao novo modelo de acumulação, carente de lugar para o sindicalismo e os trabalhadores. Trata-se de voltar a refletir sobre questões que, embora resolvidas no período constitutivo do sindicalismo latinoamericano devem, uma vez mais, referenciar a nossa reflexão.
[ix] Esta é uma variante do sindicalismo industrial (concebido como oposto ao sindicalismo profissional) identificada com o critério espacial antes que com a adscrição a uma empresa como base da organização.
[x] Organização que rompe com a lógica setorial a qual, dada a política neoliberal de transformação e de precarização do emprego, pôs em crise as formas tradicionais de representação operária.

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