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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Aprimoramento: A revolução é a internet? Ciberdemocracia por Pierre Lévy

Pierre Lévy

Filósofo Pierre Lévy concede entrevista a Florestan Fernandes Jr.
Trechos transcritos por Clovis Renato Costa Farias.
Interdependência para Pierre Lévy
“É algo em transformação molecular constante. É um processo. [...] Estamos em um sistema de fluxos contínuos de transformações. Portanto, não há mais objeto técnico, mas processos que estão em fluxo permanente e que são todos interdependentes. A interdependência é algo que se deve pensar no interior da interdependência. A interdependência material não existe mais. Tudo que é material, tudo que e técnico, tudo que é econômico, todo que é intelectual ou informacional é interdependente. A interdependência está em nosso espírito, ela não pode ser econômica, isso não faz nenhum sentido. [...] Tudo é interdependente em um sistema de fluxo perpétuo.

Democracia na comunicação
Eu acho que a democracia e a comunicação estão em estreita relação uma com a outra. [...] não existe democracia sem comunicação livre. [...] devemos notar que a democracia caminha sempre ao lado de uma exigência de liberdade de expressão e comunicação. Percebo no próprio desenvolvimento da internet uma forma de comunicação muito mais democrática que aquela existente com o sistema da mídia, pois ela oferece hoje, prática e concretamente a possibilidade a um número muito maior de pessoas de se exprimir para um público internacional mais amplo, sem passar, é claro, por uma censura política e nem tampouco por censura institucional ou econômica.”

Otimismo em relação aos efeitos da tecnologia das redes de inovação na vida dos grupos humanos
Sim, eu sou otimista, se você quiser, mas eu considero que o otimismo é uma atitude mais exigente que o pessimismo. Os pessimistas lhe dizem: ‘Vai dar errado.’ E daí? O que é que você faz? Que tipo de sentimento isso faz nascer? Isso dá coragem? Isso nos leva a alguma responsabilidade? Não! Otimista, se analisar a palavra ‘otimismo’, dentro dela tem ‘optar’, ‘optare’, em latim. Ser otimista é dar-se conta de que temos a possibilidade de escolher e que, portanto, somos responsáveis. É dar-se conta de que não devemos colocar a responsabilidade sobre o que nos é externo, sobre bodes expiatórios, em pessoas que iremos acusar. Ser otimista é dar-se conta de que nós contribuímos para construir o mundo em que vivemos. E o que iremos escolher? O pior? Não! Vamos escolher o melhor. Eis porque eu sou otimista. Ser otimista não é imaginar que tudo vai dar certo e que amanhã tudo será um paraíso. Isso não é, de jeito nenhum, ser otimista. É tentar compreender o conjunto de possibilidades que nos são oferecidas, do modo mais abrangente possível, tentar ver que estamos no centro de um círculo e que cada raio do círculo é uma possibilidade de ação. Quanto maior a nossa visão , mais assumimos a nossa liberdade e ainda mais livre pode ser a nossa ação, pois enxergamos o que há à nossa volta. Isso é ser otimista.”

Internet
Devemos pensar na tecnologia de hoje como uma corrente, um processo contínuo.”        
Podemos dizer que a internet é um movimento social que vem dos jovens que vivem em grandes metrópoles, interessados justamente numa revolução técnica e, sobretudo, interessados em experimentar novas formas de comunicação interativas e comunitárias. Foram eles que criaram essa rede. E não se tratava de uma decisão nem de um governo, nem de uma grande empresa. Surgiu da própria sociedade.”

As formas do saber – As novas tecnologias
Quando se fala do impacto das novas tecnologias é como se a técnica fosse algo exterior à sociedade que viesse influenciar a sociedade e cujas conseqüências teríamos que suportar. Enquanto que, na realidade, a técnica é uma secreção da própria sociedade. E também podemos dizer que é uma dimensão particular de análises de mudanças das relações entre seres humanos. [...] devemos sempre encarar isso sob o aspecto da atividade humana que se transforma ou das relações humanas que se redefinem. E que é que redefine essas relações humanas? São os seres humanos. E os seres humanos estão constantemente redefinindo essas relações de mil maneiras diferentes. [...] Isso se faz, entre outras coisas, também ao se inventar desenvolver e utilizar novas tecnologias. É uma das dimensões da transformação do mundo humano por si mesmo. Essa noção de impacto corresponde, evidentemente, a alguma coisa dentro da experiência cotidiana. Temos essa impressão por causa da rapidez da evolução, pois se, em nível coletivo, é claro é a própria humanidade que se transforma, no nível individual é bastante raro que cada um de nós participe da invenção ou da instalação dessas novas tecnologias. Elas nos são propostas e temos a impressão de que devemos nos adaptar a elas. [...] creio que se deve fazer com que as pessoas se conscientizem de que, na realidade, nós estamos vivendo uma modificação do que é humano. E isso dá muito medo, pois isso toca na nossa identidade.”  
Substituição dos deslocamentos físicos e dos contatos diretos em face das novas tecnologias?
Acho que é um erro de perspectiva colocar o deslocamento físico, o transporte e o contato concreto de um lado e a comunicação e a pura troca de informações, de outro. Porque na verdade estamos assistindo a um aumento dos contatos das trocas e das interconexões de todos os tipos, físicos e relativos à informação, materiais e virtuais. Acho até que existe um encadeamento mútuo entre esses dois tipos de contato. [...] Por exemplo, o desenvolvimento do ciberespaço se fez ao mesmo tempo que o extraordinário desenvolvimento do turismo. Você sabe que atualmente o turismo está se tornando a primeira atividade mundial. É a indústria mais importante do mundo. E o que é o turismo? [...] Temos também a migração de cérebros o ‘brain-drain’. Existem pessoas muito competentes que tentam ser valorizadas em um outro país. Há o caso dos músicos. Eles têm hoje cada vez menos fronteiras, eles se deslocam, eles vivem em constante movimento. Os homens de negócios também, universitários em seminários; jornalistas são correspondentes internacionais, etc. Há cada vez mais contatos diretos, reais, etc. Ao mesmo tempo em que há um aumento das telecomunicações. Os dois movimentos são paralelos. Não há oposição entre eles. E se você observar, até mesmo sob um enfoque de uma análise micro-social as pessoas que mais se telecomunicam são geralmente aquela que, fisicamente, encontram o maior número de pessoas. E as que se telecomunicam menos são aquelas que viajam menos e que possuem um raio de ação física mais limitado. Portanto, essa história de pessoa que não sai de casa porque ela possui toda tecnologia de última geração pode corresponder, em alguns casos, à realidade de uma minoria. Eu diria que corresponde mais a um produto da imaginação das tecnologias de comunicação do que a uma visão real do aumento geral dos contatos do planeta.”

Modificações sociais ocorridas com a popularização dos computadores
“O primeiro contato direto que tive com a informática foi no sentido de ver que era, sobretudo, uma inteligência humana aumentada e transformada pelo computador. Nessa mesma época, no final dos anos 70, foi publicado um relatório oficial, na França, chamado relatório Nora-Menk (nome de seus dois autores). Um relatório sobre a informatização da sociedade, no qual esses dois autores faziam um prospecto sobre a instalação em rede dos computadores por meio do sistema telefônico. Na época, evidentemente, não se falava em internet, mas as primeiras redes de telecomunicação informática já existiam e, sobretudo, existia na França o projeto de fazer o Minitel que era, por assim dizer, um tipo de ancestral da internet, ou, se quisermos, uma internet pré-histórica. Lendo esse relatório, publicado em  1978 ou 79, eu entendi que toda a sociedade ia ser transformada, pois isto punha em jogo a comunicação, punha em jogo o pensamento, punha em jogo a percepção, a memória, etc, enfim, todas as dimensões da atividade humana. E eu me disse: ‘É em cima disso que precisamos trabalhar, pois naquela época eu me dizia que as principais forças de transformação da sociedade, essas que passavam pela técnica fossem talvez muito mais importantes que aquelas que passavam por uma ação política explícita deliberada. No fundo, as pessoas que inventaram os computadores e as redes de computadores fizeram muito mais para transformar a sociedade que os militantes políticos. Foi a partir daí que comecei a me interessar por essa questão.”


Você acha que é possível pensar numa revolução utilizando a internet e o computador?
“A internet é que é a revolução. Não se trata de utilizar a internet para se fazer uma revolução. A revolução é o desenvolvimento da internet. No início dos anos 70, os computadores, como você lembrou, eram utilizados por grandes empresas e por pesquisadores científicos. Não eram acessíveis às pessoas, à população. E houve vários grupos de ativistas tecnológicos, sobretudo na Califórnia, que serviram-se do aparecimento do microprocessador para dizer: ‘Agora poderíamos fazer computadores para todo mundo, colocar a potência dos computadores a serviço dos indivíduos ou de pequenos grupos e não somente a serviço dos grandes poderes burocráticos e econômicos. E foi assim que o computador pessoal, o PC, apareceu.  Então, essas pessoas, naquela época, inventaram o PC contra as grandes companhias de informática e houve um encontro entre esse projeto completamente utópico para a época e, finalmente, um desejo social de se apropriar do poder de cálculo. Devemos notar que, naquela época, os microcomputadores não serviam para nada. Serviam apenas para fazer funcionar programas. Vários anos depois surgiram os programas para tratamento de texto, de desenho, de comunicação, de contabilidade, etc. No começo era por puro prazer. Era um projeto louco. Se, na época, tivesse dito que, quinze anos mais tarde 90% ou mais do mercado de informática seria dos PCs ninguém teria acreditado. E, no entanto, foi o que aconteceu. Gostaria de citar mais um segundo exemplo, o da internet. Como todos nós sabemos, a internet, no início, era uma norma técnica. O primeiro núcleo da rede da internet foi desenvolvido pelo exército americano para facilitar o trabalho dos pesquisadores que trabalhavam para o exército e, sobretudo, para permitir-lhes o acesso a computadores maiores a fim de distribuir a capacidade de cálculo. É por isso que essa rede foi desenvolvida. Mas, nessa época, no final dos anos 60, começo dos anos 70, começam a aparecer, um pouco pelo mundo todo, sobretudo na América do Norte, todo tipo de redes de computadores. E essas redes não surgiram apenas nas universidades e empresas, mas também em círculos associativos pessoais, de particulares apaixonados por uma nova forma de comunicação que eles próprios estavam inventando. E, progressivamente, todas essas redes de computadores interconectavam-se umas as outras e isso ficou sendo conhecido como internet, pois havia uma norma técnica específica que permitia a interconexão de redes tecnicamente heterogêneas. Inter-nel significa redes interligadas.”
(Pierre Lévy. Filósofo da informação. Entrevista concedida a Florestan Fernandes Jr. Net: http://www.youtube.com/user/3mestress?feature=mhsn#p/f/172/cd0QbWBJwHU)
Pierre Lévy (Tunísia, 1956) é um filósofo da informação que se ocupa em estudar as interações entre a Internet e a sociedade.
OBRAS:
Em português
·         As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. 1. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 1992. 263 p.
·         As árvores de conhecimentos. São Paulo: Escuta, 1995. 188 p. (em co-autoria com Michel Authier)
·         O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1996. 160 p.
·         A ideografia dinâmica: para uma imaginação artificial? Lisboa: Instituto Piaget, 1997. 226 p.
·         A ideografia dinâmica: rumo a uma imaginação artificial? São Paulo: Loyola, 1998. 228 p.
·         A máquina universo: criação, cognição e cultura informática. São Paulo: ARTMED, 1998. 173 p.
·         Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. 260 p.
·         A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2000. 212 p.
·         O Fogo Liberador. São Paulo: / Iluminuras, 2000.
·         Filosofia world: o mercado, o ciberespaço, a consciência. Lisboa: Instituto Piaget, 2000. 212 p.
·         A Conexão Planetária: o mercado, o ciberespaço, a consciência. São Paulo: Editora 34, 2001. 189 p.
·         Ciberdemocracia. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. 249 p.
Em francês
·         La machine univers, Paris: La Découverte, 1987
·         Les technologies de l'intelligence. Paris: La Découverte, 1990.
·         L'idéographie dynamique. Vers une imagination artificielle ?. Paris: La Découverte, 1992.
·         De la programmation considérée comme un des beaux-arts. Paris: La Découverte, 1992.
·         Les arbres de connaissances, Paris: La Découverte. 1993
·         L'intelligence collective. Pour une anthropologie du cyberespace. Paris: La Découverte, 1994.
·         L'universel sans totalité. In: Magazine Littéraire. 1966-1996. La passion des idées, 1996.
·         Cyberculture. Paris: Odile Jacob, 1997.
·         Qu'est-ce que le virtuel ?. Paris: La Découverte, 1998.
·         World Philosophie (le marché, le cyberespace, la conscience) . Paris: Odile Jacob, 2000.
·         Cyberdémocratie (Essai de philosophie politique). Paris: Odile Jacob, 2002.

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