Total de visualizações de página

Clique na imagem e se transforme

sábado, 26 de outubro de 2013

Boaventura de Sousa Santos no Ceará participa de seminário em comemoração aos 16 anos do CAJU/UFC

Painel de divulgação do evento elaborado pelo CAJU

O evento ‘Seminário Primavera no Direito: uma flor pode romper o asfalto?’ ocorreu nos dias 23, 24 e 25 outubro de 2013, como meio de comemoração pelos 16 anos de existência do Centro de Assessoria Jurídica Universitária (CAJU) da Universidade Federal do Ceará (UFC), tendo abordado temáticas que compreenderam a extensão universitária que o núcleo procurou praticar em sua trajetória.
A organização foi realizada pelos próprios integrantes do CAJU, com apoio da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Escola da Magistratura Federal (Esmafe) da Justiça Federal do Ceará.
Conforme os membros do Centro, o CAJU foi fundado em 1997 como um projeto de extensão da Faculdade de Direito da UFC, composto por estudantes e um professor orientador. Surgiu da vontade de estudantes em firmar um diálogo mais efetivo entre o curso e as necessidades da sociedade. Seu embasamento parte até hoje de sua atuação nos princípios de Educação Popular e Direitos Humanos, de modo que possui como principal finalidade a prática da Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP).
Profa. Alba de Carvalho, Boaventura de Sousa Santos, Clovis Renato, David Cruz

A AJUP toma a Educação Popular como método e segue pelo debate a partir do direito como conteúdo político, sendo detentor de elementos constitutivos próprios, que advêm das mediações necessárias que dão corpo a sua existência, como destacado na página virtual criada pelos organizadores (http://www.primaveranodireito.com/). Para os atuantes, a Universidade configura-se como uma dessas mediações necessárias dessa prática insurgente, sendo, pois, este o ambiente social em que a AJUP nasce e se desenvolve enquanto prática jurídica e pedagógica diferenciada, como pode ser destacado:
“A aproximação com as tarefas de movimentos sociais vêm a contribuir com a conexão entre estudante e povo, numa relação que visa ao amplo acesso à justiça, à construção coletiva de cidadania e à efetiva transformação social. Desse modo, ao longo de seus mais de 15 anos, o núcleo trabalhou com diversos temas, como “Dignidade em Presídios”, “Educação em Direitos Humanos”, “Direito Indígena”, "Diversidade Sexual", “Direito das Crianças e Adolescentes” "Direito Fundamental à Cidade", dentre outros.” (http://www.primaveranodireito.com/)

As mesas dos dias anteriores do seminário ocorreram no Anfiteatro da Faculdade de Direito da UFC, tendo a mesa de encerramento sido realizada no auditório, contando com a presença de centenas de interessados.


Além dos integrantes do CAJU, dos alunos de faculdades de Direito, Ciências Sociais e Serviço Social, estavam profissionais do Direito que compuseram os quadros do Centro de Assessoria Jurídica desde sua criação, muitos advogados, magistrados, defensores públicos, membros do Ministério Público, procuradores, técnicos judiciários, assessores e professores de cursos jurídicos de diversas Instituições de Ensino Superior, com destaque para a UFC e o Centro Universitário Christus (Unichristus).

O Coordenador da Pós Graduação em Direito, Mestrado e Doutorado da Universidade Federal do Ceará Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo e as professoras doutoras Germana Moraes e Raquel Lens assistiram a apresentação.
A Professora Doutora Alba Maria Pinho de Carvalho (Faculdade de Ciências Sociais da UFC), tutora do Grupo de Estudos e Extensão Boaventura de Sousa Santos no Ceará, marcou presença com seus alunos e orientandos, bem como o aluno do Mestrado em Políticas Públicas da UFC David Pereira Cruz.
A Unichristus foi representada pelo Coordenador Geral Adjunto Prof. Henrique Botelho Frota, que já foi do CAJU e atualmente é, também, membro do IBDU (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico) e membro Fundador do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS), no qual coordena o Grupo de Trabalho sobre Cidades, o qual ministrou a Oficina Direito à cidade no contexto das Manifestações. Ainda, pelos Professores Clovis Renato Costa Farias (EDH/Unichristus e Doutorando em Direito pela UFC), Antônio Torquilho Praxedes e alguns alunos do Curso de Direito.
O Diretor do Fórum da Justiça Federal no Ceará (Tribunal Regional Federal da 5ª Região), Juiz Federal Leonardo Resende, que foi integrante do CAJU na época em que era aluno da Faculdade de Direito da UFC, representou a JFCE como um dos apoiadores do seminário.
A mesa definitiva foi composta por Boaventura de Sousa Santos (http://www.boaventuradesousasantos.pt/), doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e autor de diversos livros, e pelo Professor da Faculdade de Direito da UFPB e Doutorando em Ciências Sociais da UNICAMP, Roberto Efrem Filho compuseram a última mesa temática com o mote "Teoria Sociojurídica da Indignação Social".

Boaventura dedicou sua apresentação às pessoas afetadas pelo uso indiscriminado de agrotóxicos, em especial, aos que receberam descarga tóxica (Veneno Engeo Pleno, usado para matar insetos) de um avião pulverizador em uma escola de ensino fundamental e médio localizada no assentamento Pontal dos Buritis – localizado em Rio Verde (GO). Relatou que, na ocasião, crianças brincavam no recreio e lanchavam na escola, por volta das 9h15min do dia 03 de maio de 2013, quando foram banhados pela garoa prejudicial, quando foram registro de 93 casos de intoxicação.
Iniciou sua fala relembrando ações contemporâneas em decorrência da defesa dos meio ambiente, tais como o ‘Movimento 21’(formado após o assassinato de Zé Maria - líder comunitário José Maria Filho, o "Zé Maria do Tomé", que lutava contra os agrotóxicos em Limoeiro do Norte – crime ainda impune). Ainda, as diversas manifestações populares ocorridas desde junho de 2012 no Brasil e o Movimento em defesa do Parque do Cocó, em Fortaleza.

No mesmo passo, pelo mundo, ressaltou algumas ações:
a)    Primavera Árabe’ (uma onda revolucionária de manifestações e protestos que vêm ocorrendo no Oriente Médio e no Norte da África desde 18 de dezembro de 2010). Até a data, tem havido revoluções na Tunísia e no Egito, uma guerra civil na Líbia e na Síria; também houve grandes protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã e Iémen e protestos menores no Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara Ocidental.Os protestos têm compartilhado técnicas de resistência civil em campanhas sustentadas envolvendo greves, manifestações, passeatas e comícios, bem como o uso das mídias sociais, como Facebook, Twitter e Youtube, para organizar, comunicar e sensibilizar a população e a comunidade internacional em face de tentativas de repressão e censura na Internet por partes dos Estados.[i]
b)   Movimento Eu Sou 132’ (movimento social formado principalmente por estudantes universitários do México, que conta com o apoio de adeptos de mais de 50 cidades do mundo, reivindicando a democratização dos meios de comunicação, a criação de um terceiro debate entre os candidatos das eleições presidenciais de 2012 e o rechaço ao apoio político e midiático de meios de comunicação de massa ao candidato presidencial Enrique Peña Nieto, do Partido Revolucionário Institucional - PRI, bem como seis pontos que incluem diferentes temas de interesse público)[ii];
Foto retirada pelo CAJU - O caso da Ocupação do Parque do Cocó - Rosa da Fonseca

c)    Movimento dos Indignados[iii]: nascido no dia 15 de maio de 2011, na Espanha, sendo sua primeira ação lançar um apelo em 58 cidades espanholas através das redes sociais para protestar contra a resposta dos políticos à crise. Sua plataforma “Democracia Real Já” convocou manifestações poucos dias antes das eleições municipais e regionais, apanhando de surpresa o governo. Milhares de pessoas reuniram-se na madrilena Porta do Sol, mas também nas principais cidades de Espanha para denunciar a crise, a corrupção e um desemprego recorde. As manifestações reuniram sempre dezenas de milhares de pessoas e se dizem não violentas, não hierarquizadas e sem nenhum vínculo aos partidos políticos e a sindicatos, considerando-se de violência civil. Em 12 de junho de 2011, os indignados desmantelaram o acampamento e sairam da Porta do Sol, mas o Movimento continuou, enquanto organizava assembleias de bairro. Conforme a mídia espanhola, “O rastilho do 15-M incendiou-se noutros países. O Movimento tem organizações filiadas em 70 países, como Occupy Wall Street, nos Estados Unidos.”
d)   Movimento dos Estudantes no Chile 2011-2012’: corresponde a uma série de manifestações realizadas a nível nacional por estudantes universitários e do ensino secundário chilenos, a partir do primeiro semestre de 2011. Chegou a ser considerada como das mais importantes dos últimos anos, mesmo comparando com a de 2006. Tal mobilização, ao contrário das anteriores - que apenas reuniram estudantes de escolas municipais e subvencionadas das 25 universidades pertencentes ao Conselho de Reitores das Universidades Chilenas - conseguiu pela primeira vez convocar estudantes de escolas particulares pagas, Centros de Formação Técnica (CFT), Institutos Profissionais (IP) e universidades privadas, ou seja, todo o sistema educacional chileno. As primeiras mobilizações nacionais foram convocadas pela Confederação de Estudantes do Chile (CONFECH), uma organização que reúne as associações de estudantes das universidades que integram o Conselho de Reitores das Universidades Chilenas - conhecidas como "tradicionais" - em meados de maio de 2011. Os principais porta-vozes do movimento universitário foram Camila Vallejo, presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (FEUCH) e Giorgio Jackson, presidente da Federação de Estudantes da Universidade Católica do Chile (FEUC).[iv]
Autógrafo de Boaventura para Clovis Renato: "Para Clovis com um abraço e obrigado pela boleia (carona) - Boaventura"

Afirmou que há uma guerra civil de baixa intensidade que se agravará nos próximos anos, partindo de ações que não são realizadas por movimentos sociais, dos que chamávamos de ‘despolitizados’. Para Boaventura não são movimentos, mas presenças coletivas, nem são desobediência civil, uma vez que não reconhecem a legitimidade das leis, são uma desobediência política.
São interessantes, especialmente, pelo fato de a teoria sempre ter se centrado nos movimentos organizados, mas os mencionados não provém de partidos políticos, movimentos ou organizações não governamentais, de modo que contradizem tudo o que o autor escreveu sobre o Direito e a luta jurídica (dentro das instituições), principalmente, por não acreditarem que através do Direito elas poderão mudar a sociedade.
Ressaltou Boaventura que o trabalho que vem desenvolvendo é para animar profissionais do Direito a usarem as contradições do Direito para a conquista de uma sociedade mais justa. “Direito como um instrumento de transformação social progressiva [...] há o direito do Estado – configurativo e reconfigurativo, além de outros direitos como o indígena [...] Retórica, burocracia e violência são os três elementos do Direito. Os advogados populares são uma prova da capacidade emancipatória do Direito”. Contudo, nas ações populares observadas há muito pouco uso do Direito, há um Direito pré figurativo que nasce da própria ocupação.

Alertou, buscando uma lógica para o que está ocorrendo, que os direitos estão sendo destruídos atualmente, como, por exemplo, no Brasil, onde há inclusão econômica e ampliação da exclusão política, no topo do desenvolvimento adotado; outro caso de destruição dos direitos foi como ocorreu a morte de Osama Bin Laden, extensamente divulgada com clara constatação de descumprimento de todas as convenções internacionais sobre Direitos Humanos, as Convenções de Genebra, dentre outras.
Demarcou que há uma característica anarquista no que vêm ocorrendo, exemplificativamente, a Primavera Árabe renega totalmente o direito estatal; o Movimento Ocupai compreende que existe o direito do 1% e o dos 99%, os quais não se comunicam, uma vez que perecem os direitos dos 99%, comprovando-se que não lhes pertencem e lhes são impostos, de modo que acham que podem tomar atitudes extrainstitucionais contra as movimentações extrainstitucionais dos 1%.
Outrossim, o que os movimentos querem provar é que o Capital derrubou as instituições, que há uma contradição entre as constituições dos Estados e o Sistema Global. Algo que torna o uso emancipatório do Direito está cada vez mais difícil, há retrocessos jurídicos como, no Brasil, o Novo Código Florestal (pior que o primeiro – desrespeitador do meio ambiente), o que impõe que a mobilização política seja cada vez maior.
O uso emancipatório do Direito exige Democracia, para tanto, deve-se fazer uma luta democrática que leva à reforma do Estado (política, participativa...). A Democracia Representativa é fraca demais para enfrentar o capitalismo, há sinais preocupantes que mostram que os governos permitem inclusão econômica mas não social. “A Democracia está sendo usada para destruir a Democracia, os Direitos Humanos estão sendo usados para destruir os Direitos Humanos, a lógica do primado do Direito está sendo usada para destruir o Direito”. Impõe-se o primado da mobilidade política, da Democracia e da Reforma do Estado.
Rememorou que tais movimentos recusaram que os Direitos Humanos fossem o lema, uma vez que têm uma genealogia revolucionária na Revolução Francesa e reacionária após isso. Postas tais condições, Boaventura asseverou que prefere ver os direitos no contexto e que os Direitos Humanos não são uma luta, as lutas concretas são outra coisa, têm seu próprio direito. Urge que se lute em cada situação conforme as armas a disposição, “quem luta pela emancipação utiliza radicalmente as armas que tem, apresentadas no contexto”.
Não se pode separar o epistemológico do político, deve-se entender  o imaginário social do Continente Americano, o índio, o quilombola, figuras que nunca entraram nos movimentos de esquerda.
Após a apresentação de Roberto Efrem Filho e aos questionamentos dos ouvintes, antes do encerramento, respondeu a diversas proposições, quando se destacaram alguns trechos:
Só podemos puxar o debate do Socialismo no Século XXI quando fizermos a crítica do Socialismo do Século XX. Nunca chegamos ao Socialismo através da Democracia Representativa. No Marxismo a dialética é a da experiência. Não acredito em teorias de vanguarda, mas de retaguarda. Quem está na luta tem que saber as armas que tem. A classe trabalhadora não é  mais a dos anos 60, não há mais sequer a divisão do trabalho pago para o não pago. Direito do Trabalho não faz o Socialismo, mas ajuda na vida dos trabalhadores. Precisamos de uma articulação dos movimentos sociais. Enquanto tivermos nossas lutas, temos que lutar. Para quem conquistou alguns direitos eles não são triviais. O que impera são as lutas sociais, não a teoria, apesar de estas poderem ser brilhantes. Não há mobilização jurídica sem mobilização política, a própria burguesia desacredita do Direito, dentro do panorama de contradições, mas acreditam na medida que lhes serve”.
O ‘Seminário Primavera no Direito: uma flor pode romper o asfalto?’ foi encerrado às 21h30min, com agradecimentos, saudações da organização e coquetel para os participantes.
Clovis Renato Costa Farias
Doutorando em Direito / Bolsista da CAPES
Programa de Pós Graduação em Direito – Doutorado
Universidade Federal do Ceará
Membro do GRUPE, da Comissão de Direito Sindical OAB/CE e da ATRACE

Nenhum comentário: