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quarta-feira, 18 de junho de 2014

José Carlos Arouca depõe na Comissão da Verdade contra a Ditadura

SP 10 de setembro 2013

Prezados companheiros

         Foi criado junto à Comissão Nacional da Verdade o GT Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical da CNV que já iniciou o reconhecimento de arquivos do Ministério do Trabalho e Emprego. Não foi só a ditadura militar que fechou uma central – o CGT - e interveio em mais de mil e quinhentas entidades sindicais. Também a meia-democracia do Marechal Dutra, que foi Ministro da Guerra do Estado Novo fascista fechou a central CTB intervindo em cerca de 220 sindicatos. A Constituição no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias concedeu anistia aos atingidos por atos de exceção em decorrência de motivação política no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988 de modo que não se pode esquecer as arbitrariedades cometidas no governo Dutra.

         Em São Paulo, o Dops invadiu os sindicatos sob intervenção e ou destruiu seus livros e assentamentos ou os levou para seus porões. Com isso grande parte da história de nossa organização sindical não poderá ser reconstruída. A maior parte dos dirigentes do “Velho Sindicalismo”, combativo e autêntico, de resistência, já se foi e poucos restam para depor. Estão vivos, que eu sei, Clodsmith Rianni, que presidiu a CNTI e o CGT, o ferroviário Rafael Martinelli, Sinfrônio Nunes, da construção civil, Boano, do transporte.

         Muitos dirigentes tiveram seus direitos políticos cassados por dez anos, inclusive todos do CGT.

         Com Serjão Gomes da Oboré elaborei os roteiros de entrevistas com Afonso Delélis do Sindicato dos Metalúrgicos, Dante Pellacani, da Federação dos Gráficos e CGT, Luiz Tenório de Lima, Federação dos Trabalhadores da Alimentação, para o Centro de Memória Sindical. Na minha atuação como advogado de sindicatos vivi, não como espectador, mas como personagem, os tempos de luta e esperanças desde a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco até o golpe, lideranças dos Sindicatos dos Trabalhadores da Construção Civil (João Louzada, José Xavier dos Santos, Sinfrônio Nunes), de Laticínios, Açúcar e Café (Tenório, Santos Bobadila, Diogo Ruiz), de Produtos Químicos (Adelço de Almeida, José Ferreira da Silva, Francisco Floriano Dezen, Virgílio Gomes da Silva), de Instrumentos Musicais e Brinquedos (José da Silva, Alcides Dotta), Padeiros (Berlim de Paula Cavalcanti, Reginaldo Dias da Silva) Federação dos Trabalhadores da Alimentação (Tenório mais uma vez, Romildo Chaparin, Argemiro, Irineu Simionato), Motoristas (Alcídio Boano, José Rodrigues de Souza, Firmino Cardoso dos Santos, Diego Baeza). Advogado, vivi a Justiça do Trabalho, com advogados como Cristóvão Pinto Ferraz, Altivo Ovande, Enio Sandoval Peixoto, Rio Branco Paranhos, Walter Mendonça Sampaio. Participei de Congressos com Antonio Chamorro, Luiz Firmino (têxteis), Luiz Cristofoletti (hoteleiros), José Plácido (metalúrgicos), Rocha Mendes (gráfico), Rubens Vasconselos (bancários).

         Mas não se deve desprezar a ação dos sindicalistas e entidades ligadas ao golpe, como o Movimento Sindical Democrático, presidido pelo comerciário paulista, Antonio Pereira Magaldi, juiz classista do TRT de São Paulo, o Movimento Renovador Sindical, a União Sindical Independente, o IADESIL e o ICT, figuras como Ary Campista e Deocleciano Cavalcanti que dirigiram a CNTI, pelegos como Geraldo Santana de Oliveira, borracheiro de São Paulo, Luiz Menossi da Federação da construção civil, Teixeira da Federação do Transporte, e tantos outros. E também a ação do SESI, da FIESP, de delegados do trabalho como o General Moacyr Gaya, Aluysio Simões de Campos, da Justiça do Trabalho e suas decisões sobre greves.

         Com o único propósito de contribuir para o levantamento iniciado, envio-lhe meu depoimento sucinto (apenas 10 minutos como foi ajustado com a Comissão Nacional da Verdade) prestado a Comissão da OAB de São Paulo no dia 5 de agosto.

         Abraços

         José Carlos Arouca

Depoimento prestado para a Comissão da Verdade da OAB de São Paulo dia 5 de agosto de 2013.
                        1. Fui preso na porta da Justiça do Trabalho um mês depois do golpe militar. O delegado do Dops, Paulo Bonchristiano, no alto de sua importância recente arriscou a tortura psicológica, respondendo ao “tira” que perguntara o que faltava fazer. Vamos revistar sua casa!

                   2. Saí do Departamento Jurídico do Centro Acadêmico XI de Agosto para a advocacia trabalhista. Defendi sindicatos de porte, atuantes, dos trabalhadores nas indústrias químicas, de brinquedos e instrumentos musicais, do leite, açúcar e café, da construção civil, padeiros, da alimentação. Logo após o golpe assisti caírem todos sob intervenção do ministério do Trabalho. Os dirigentes do “velho sindicalismo” que ficaram foram presos perderam o emprego e não conseguiram outro. Tenório, presidente da Federação dos Trabalhadores da Alimentação foi condenado a 30 anos de cadeia, Romildo Chaparin, do setor de carne foi trabalhar na feira, sem ter uma barraca, vendendo bugigangas espalhadas numa toalha sobre o chão, Adelço presidira o Sindicato dos Químicos, pedi ao patriarca do clã dos Ermínio de Morais que permitisse retornar a seu emprego na Cia Nitro Química, nem resposta tivemos.

         Os advogados de sindicatos combativos, capazes, corretos, intransigentes na defesa dos direitos tiveram a mesma sorte, inclusive eu.

         Doze anos depois os donos de empresas de ônibus simularam uma greve para forçar o aumento do preço das passagens. Dops, Polícia Federal, Ministério do Trabalho, Prefeitura, todos participaram da farsa culpando o sindicato, mesmo sabendo da fraude. Não passou muito tempo o sindicato também caiu sob intervenção, seus dirigentes, Boano, Rodrigues, Baeza foram presos, levados para o Doi-Codi, torturados barbaramente. Resisti com os que sobraram até o último suplente, e aí, é claro, fui demitido.

                   3. No final da ditadura, como desculpa ou consolação, veio a anistia recíproca, quer dizer, perdão para os responsáveis por 21 anos de desmandos de toda sorte, para os torturadores inclusive.

         A Constituição ampliou seus efeitos para situá-la entre os dois marcos constitucionais de 1946 e 1988.

                   4. Que tempos foram estes que quiseram ocultar de nós? dos estudantes de direito, dos novos advogados, da juventude que sai às ruas reclamando democracia e efetividade dos direitos sociais?

         Nós, não direi os mais velhos, os mais antigos, temos o dever de lembrar 1946, a meia democracia do Marechal Dutra, sem esquecer que o Supremo Tribunal Federal referendou o fechamento do Partido Comunista e a cassação dos mandatos de seus parlamentares eleitos pelo povo, que legitimou o Decreto-lei 9070 que criminalizava a greve, assim como o fechamento da central CTB, a pretexto de a autonomia não ser tão autonomia como se dizia, além do que a lei não era clara e precisa, mesmo tendo o pais assinado o Tratado de Chapultepec que reconhecia tanto a greve como a liberdade sindical como direitos dos trabalhadores.

         E lembrar que a ditadura militar instalada em 1964 aposentou os ministros do Supremo Tribunal Federal mais progressistas, Evandro Lins e Silva, Hermes Lima, Victor Nunes Leal, provocando a renúncia de Gonçalves de Oliveira de sua presidência e a aposentadoria voluntária de Lafayete de Andrade. Aposentados também juízes como Edgar Moura Bittencourt de São Paulo e Osny Duarte Pereira do Rio de Janeiro.

         Quando lermos os livros e aprendemos as lições do mestre Evaristo de Morais Filho, devemos ter presente que foi aposentado da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.

         É preciso saber que o Tribunal Superior do Trabalho curvou-se diante do arbítrio, negando o direito de acesso ao Poder Judiciário e editou o Prejulgado nº 23 para impedir a revisão judicial dos atos praticados com base nos atos institucionais. O ator Mário Lago era empregado estável da Rádio Nacional, foi demitido e reclamou sua reintegração no emprego, mas o processo foi extinto porque tinha o selo da “revolução”, melhor dizendo, do golpe contra a democracia.

         Aprovado em concurso para ingresso na magistratura do trabalho fui preterido pelos governos militares dos Marechais Castelo Branco e Costa e Silva e seus Ministros da Justiça, Milton Campos e Gama e Silva mais de vinte vezes até vencer seu prazo de validade, embora figurasse em primeiro lugar nas listas tríplices, e também depois de o Supremo Tribunal Federal garantir minha nomeação, desprezando sua decisão.

                   5. Que tempos foram estes que ocultaram dos trabalhadores, dos sindicalistas dos tempos de agora? Mas cabe a nós o dever de lembrar-lhes que na meia democracia do Marechal Dutra, Ministro do Trabalho, o industrial paulista Morvan Dias Figueiredo, fo0ram 213 intervenções em sindicatos, os mais atuantes, de um conjunto de 944 reconhecidos, todos que se filiaram à central CTB.

         E lembrar, quando comemoramos os 70 anos da CLT, que a ditadura de 1964 nos seus dois primeiros anos, Ministro do Trabalho Arnaldo Sussekind, um dos consolidadores, ícone do Direito do Trabalho, fechou o CGT, exemplo mais marcante de central de resistência, interveio em 760 sindicatos, em 43 federações, em 3 confederações, em 19% dos sindicatos reconhecidos, 70% dos que contavam com mais de 5.000 associados, chegando ao final de 1979 com a marca de 1.565 intervenções. Todos os dirigentes do CGT, do “Velho Sindicato”, combativo, que naqueles tempos era “Novo”, tiveram seus direitos políticos suspensos por dez anos.

         Consegui convencer o Ministro do Trabalho Murilo Macedo a restabelecer os direitos cassados de Boano, Rodrigues, Baeza, depois de desafiá-lo encontrar no laudo da Comissão de Auditagem da antiga Delegacia Regional do Trabalho qualquer deslize, já que não acusava desvio de um centavo sequer, é que, para desmoralizá-los, a acusação era malversação.

                   6. Daqui a pouco vamos tomar o prédio que serviu de cenário para a Auditoria Militar condenar tantos homens como Tenório, onde advogados destemidos defenderam a duras penas quem desejou um país melhor e resistiu à ditadura.

         Segundo a denúncia do promotor Durval Airton Moura de Araújo, da 2ª Auditoria Militar, eu era um perigoso agitador que atentava contra a segurança do país.

                   7. Que tempos foram estes que só agora com a Comissão da Verdade são revelados? Quem foram estes homens que hoje são nomes de rodovias, de viadutos, de praças e ruas, até rua Sérgio Paranhos Fleury?

         E se não pudermos levá-los aos bancos dos réus, julgar seus atos e condená-los pelo que fizeram, que pelo menos possamos resgatar a verdade verdadeira, reescrever nossa história, revelar o que foram aqueles tempos para que não voltem nunca mais.

         José Carlos Arouca

Um comentário:

Anônimo disse...

Clesio Arruda: Fato extremamente relevante, uma vez que as lideranças sindicais encontram-se entre os que foram mais cerceados em seus direitos no período da ditadura militar.